segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O Verme da Esquina Vermelha - Conto de Fernando Almeida

Fernando Almeida(1989?) é um escritor pouco conhecido cuja obra se extende a raros contos enviados a pequenos concursos literários no interior de São Paulo. É um amigo que frustrado de tentar viver sob os ares da cidade paulistana seus sonhos de se tornar um escritor, mudou-se novamente para ser esquecido de sua não realiazação nesse meio feito de letras e muitas influências editoriais. É por isso que publico o meu conto favorito dele, enviado para mim em uma noite antes de partir.


O imaginário popular dos moradores do bairro boêmio da cidade, sempre trouxe muitas histórias de vida de freqüentadores dessas verdadeiras instituições, para discussão trivial de fatos filosóficos e da profunda filosofia de assuntos triviais. Além disso, deveriam ser tombadas pela importância que produz a todos os passageiros e aos lendários personagens que mutuamente compartilham as poesias e contos impregnados nas vitrinas, mesas de madeira e copos americanos, que são os bares, botequins e botecos.
Quando eu resolvi mudar para cá, livremente influenciado pelas possibilidades de um reconhecimento futuro como escritor, ainda não tinha recebido os meus poucos pertences, que a empresa responsável pela entrega segura destes, me fez esperá-los com uma semana de logística avançada em burocracia de povoado distante dos procedimentos urbanos.
Enquanto estive desnivelado, sem possibilidade de continuar explorando meu futuro espólio, talvez estivessem largados, amontoados, recebendo a poeira da posteridade, para descendentes improváveis, procurei alguns atrativos próximos da minha hospedagem provisória, distrações que se encontraram comigo a quarteirões de distância, em prédios singelos de arquitetura e sobrevida de estabelecimentos comerciais à luz do dia.
Durante esse período, o trabalho e outras labutas sem vínculo empregatício embaçam todas as possibilidades de se conseguir matéria bruta para quaisquer manifestações literárias que quisesse produzir, como se a verdadeira essência estivesse sempre na ausência de obrigações que escravizam o ser humano.
Enfim, cansado de esperar pela imaginação de um quarto de hotel pequeno de janelas com vidros, cogitei degradados por objetos jogados atravessando e quebrando os antigos ou seguindo uma tendência contemporânea que adotasse diferentes texturas para cada quadro ou apenas a displicência de funcionários patéticos pelo encargo de trocá-los com freqüência curiosa.
Deixei de olhá-los e me locomovi na busca por distrações para meus olhos fartos de observar um mundo sob lentes desfocadas, com a mente repleta de possibilidades que poderiam aparecer a partir de um lance de escadas, houve quem escrevesse dois ensaios, manuais de instrução para usá-las, descendo dois andares, de encontro ao portão de entrada daquela espelunca.
Saída liberta para as minhas andanças pelo desconhecido cotidiano que me aguardava como uma meretriz velha, pronta para todas as artimanhas de malandros desinteressados por uma noite de troca de fluidos carnais e dinheiro fácil, sua entrega está cheia de estratégias impostas a desconhecidos.
Caminhei passos espontâneos, sem medir os reveses que meus pés poderiam me dar. Encontrei a iluminação colorida de fortes gases nas entradas de casas e boates, defronte a uma delas com a cor esverdeada, encontro dois homens que conversavam de maneira etílica, segundo os goles de cachaça barata ou desinfetante usado para limpar salas de cinema 24 horas avizinhadas em outro distrito, talvez dentro daquele centro cor de licor fino, precisaria conhecer mais aquelas esquinas para especializar-me naqueles hálitos e hábitos.
Enquanto passava, aqueles tipos reacendiam o aspecto melancólico dos funcionários públicos, andei mais um pouco para disfarçar a minha intromissão daquelas falas marcadas, em meio a embalagens de papelão catadas imediatamente por carros itinerantes de receptores de lixo, a caça de material que fossem reaproveitáveis para uso próprio, que como eu, procuravam naquele ambiente utilizar de forma nova os resíduos desprezados por olhos boçais.
Com os olhos imersos na profusão de cores noturna, necessitava encostar-me em um lugar menos hostil. Sentei-me a beira de um banco de metal próximo a um balcão dentro de um bar que no momento me ofereceu um apoio para meus braços e mente curiosa. Havia um caixa de vidro recheado de maços de cigarro de diferentes marcas e gostos, na minha frente, garrafas de bebidas diversas estavam com rótulos quadrados e recipientes incertos.
Peço uma garrafa de cerveja de um litro, junto com o copo de chope sigo os trejeitos de um balconista resignado às tarefas de servir desconhecidos com doses variadas de prazeres alcoólicos. Logo tento puxar papo com ele, seu avental branco encardido compartilhava de resquícios de usuários daquele intermediário, entre conversas embaralhadas de ébrios e palavreado de gente que raramente passa por lá para esquentar a noite numa balada ou livres para jogar partidas de cartas na mesa de sinuca.
Com o marasmo do lugar, derramo sem querer um pouco sobre o balcão, o reflexo das gotas desenha um esboço de meu rosto, o movimento de veículos é peculiar a cada momento, os coletivos param de funcionar pelo desenrolar da madrugada, sorte a minha que não tenho compromisso algum com horários.
Não demora muito para que ele me pergunte coisas sobre minha vinda, depois de ter feito a tradicional conversa sobre temas profundos no lugar-comum das biroscas, também universais a outros lugares sem vida, a única coisa que esperava entre os goles e lamentos reflexivos de um trabalho que não lhe garante muitos rendimentos depois que as transformações e tecnologias urbanas conseguem moldar uma sociedade que segue este rumo, de encontro a um destino incerto.
A conversa tinha se tornado um monólogo, graças a meu silencio, interrompida apenas por uma dose de mescal feita por um senhor que discretamente entrara lá, sentando ao meu lado, perto de nós talvez por hábito ou enfim para mostrar algo que fosse importante para o pequeno público do circo de pulgas instalado.
Trajando uma jaqueta de couro puída pelo tempo, o copo transparente se colore em âmbar liquefeito, com o verme boiando na garrafa empoeirada ele pede para que o nosso servente lhe permita a honra de tomar a derradeira mescalina com o inseto que convive nos cactos mexicanos, este sendo o principal diferencial da tequila, dando seu sabor característico, na verdade apenas um acidente de produção que deu certo como muitos na indústria etílica.
Com isso o silêncio dá lugar à incompletude, assim que meu antigo interlocutor lhe entrega a garrafa, o clima de tensão preenche nossas cabeças, este ainda cochicha sobre o valor que o gusano, larva de borboleta que submerge no mescal a graduações alcoólicas muito específicas, que além de determinante para a qualidade do produto final, é protagonista de uma tradição instituída nos balcões latino-americanos.
Se o nosso falso companheiro conseguisse ingerir o líquido com aquele intruso, teria o reconhecimento quase infantil de masculinidade, firmada somente pela presença de duas pessoas e um animal que deveria ser mastigado e engolido, para que o assunto encerrasse como a primeira e antepenúltima dose feita por ele, fugazmente.
Ele esvazia a garrafa levantando-a com um impulso mecânico de mal encarados que topam qualquer desafio, vira a cabeça junto com ela e, a primeira vista, faço associação livre com uma ave de rapina que está engolindo uma cobra rasteira ou um daqueles pássaros com o corpo transparente cheio de mercúrio que embebe seu bico num copinho dando peso para balançar sua cara, para cima, para baixo.
O vidro rapidamente ocupa o espaço do balcão, junto com outros recipientes, não há sobras de impurezas nele, a cabeça dele torna a seu ponto de partida, encara para nós como vitorioso, esperando os louros da vitória que nunca lhe viriam.
Ele brinca, dizendo que sentira cócegas na garganta enquanto bebia, as pequenas patas caminhavam de encontro a seu estômago, como que humildemente o bichinho estivesse aceitando a derrota e a superioridade máscula vencia mais uma vez, com o domínio da natureza selvagem.
Inesperadamente, enquanto tentava continuar a sua exaltação, vimos uma protuberância subir pelo pescoço, empurrando o pomo-de-adão violentamente, o desenho que formava entre a pele e músculos era muito parecida com um casulo.
Em meio a nossos olhares espantados, aquele bebedor tinha cedido seu corpo como habitat de uma espécie estranha de ser vivo, não porque fosse uma larva diferente das demais que se alimentam do fluido da mescalina in-natura, mas sim pelo fato de escolher o pescoço de um desconhecido para dar início a seu novo ciclo de vida.
Aquilo foi o estágio final para a vida de dois elementos, o animal e o humano, o inseto tenta resistir aos fortes escarros de sangue e beliscões das mãos daquele anfitrião insolente, a luta pela sobrevivência corrompe os seus instintos.
Enfim, aquele homem pigarreia um caroço escuro, vermelho com toques cor de mel, caindo no chão junto a dois metros de distância de mim e a vinte centímetros do estorvo vivo sangrando, mesmo com a retirada ele não consegue resistir à perda de consciência responsável pela mistura entorpecente e insana, debatendo-se um pouco antes de morrer.
A vinte centímetros do corpo finalmente inerte, as asas amassadas do inseto resvalam-se no piso, escorrendo vermelho como pegadas bêbadas de um indigente, em vão tenta sobrevoar mais que meio metro de altura.
A conjunção desses elementos não foi o suficiente para que surgisse vida, mas torna-se matéria-prima para um relato fantástico, que transcrevi nestas linhas.

Em breve

Boa tarde, sejam todos bem vindos ao Reticências Resenhas.

A partir de hoje esta página tratará de diversos assuntos voltados mais as artes em geral, aquelas que eu me interesso e que acho que há outros interessados no universo virtual, logo é mais um blog bastante pessoal, porém nada narcisista ou egocêntrico, por isso há outro administrador, o Edson, só que enquanto isso se publica, ele mal sabe que modifiquei novamente o nosso blog!

A ideia inicial nossa era fazer resenhas de filmes, investigar sobre esse mundo da sétima arte, além disso falar sobre outras coisas que gostamos e que seriam uma ótima ideia compartilhar por aqui, por isso resolvi mais uma vez dar uma nova vida ao espaço e acrescentar novidades pelo menos uma vez por semana, já que não tenho muito tempo para atualizá-lo todos os dias.

Espero que finalmente este projeto simples vingue e que tenha ao menos alguns leitores ou comentadores interessados, seria muito bom.

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Blade Runner: O Caçador de Andróides (Director's Cut) - Ridley Scott

Blade Runner: O Caçador de Andróides (Director's Cut) - Ridley Scott Ano: 1982 País: EUA Produção: Michael Deeley Roteiro: Hampton Francher, David Webb Peoples, baseado no livro Os andróides sonham com ovelhas elétricas? de Philip K. Dick Elenco: Harrison Ford (Rick Deckard), Rutger Hauer (Roy Batty), Sean Young (Rachael), Edward James Olmos (Gaff), M. Emmet Walsh (Cap Bryant), Daryl Hannah (Pris) Gênero: Ficção Científica Duração: 147 min

Os primeiros minutos do filme mostram um fundo negro com letras brancas que introduzem o espectador ao clima que será desenvolvido em seguida: Século XXI, seres humanódes são fabricados em larga escala com o objetivo de serem utilizados como operários de empregos degradantes aos nossos olhos, nas colônias espaciais, os replicantes. Estes fizeram um motim contra os humanos, logo se tornando um problema para a vida humana, assim criando pessoas que se encarregavam de "retirá-los" de circulação, os blade runners, caçadores de andróides.

A partir desse prólogo, a história de Rick Deckard, um ex-Blade Runner, forçado a voltar à ativa quando um grupo de replicantes Nexus 6 se rebelam e voltam à Terra para encontrar a solução para seu curto tempo de vida útil (4 anos), indo atrás de seu criador, o presidente da Tyrell Co. A caçada resulta na morte de quase todos os rebeldes e no romance entre Rick e Rachael, dois principais momentos da trama progredindo no ritmo de um thriller com atmosfera noir. Praticamente todos as cenas são sombrias, só me lembro de uma sequência "solar": Quando o protagonista encontra-se com sua amada pela primeira vez, na sede da Tyrell, ele pede que abaixe as cortinas da sala, pois estava claro demais(!) Outra curiosidade que saltou a meus olhos foi a obsessão por globos oculares desde a primeira cena: a cidade de Los Angeles, Novembro de 2019 é observada da janela de um edifício pelas lentes de íris azuis que tomam toda a tela, o profundo close daquela retina reflete os arranha-céus e chamas daquele lugar é uma das mais belas que já vi (haja visão!).

Prossegue com um plano "menos fechado" de uma sala de escritório onde um oficial dá início a um interrogatório com um replicante suspeito. O método de descoberta de sua origem se dá pelo teste de empatia, mais conhecido como Voight-Kampff, que consiste de uma série de perguntas que despertariam sentimentos humanos em suas respostas. Este só aparecerá mais uma vez, servindo como o primeiro "bate-papo" entre Rick e Rachael, descobrindo que ela é uma replicante, abrindo o viés reflexivo sobre o conceito de humanidade: o que faria uma inteligência artificial ser tão parecida conosco, seria a memória, a imaginação, o medo, a "coceira que não se pode coçar"? Mais uma vez a visão é objeto de atenção, enquanto as questões são postas no teste, a retina é gravada para conferir qualquer dilatação de pupila, sinal de algum "desvio" do interrogado. Com a fuga do replicante após fugir do teste e matar seu interlocutor, o grupo de rebeldes é identificado pela polícia, que logo se torna a missão de Rick.

Enquanto a sua investigação é centrada na análise absurdamente detalhada de uma fotografia, o líder do bando, Roy Batty, recolhe informações sobre o seu inventor, em um laboratório de um engenheiro genético "japonês" que fabrica olhos(!) artificiais. Ambos apenas se encontram nos momentos finais do filme quando as evidências se voltam para J F Sebastien, o criador dos Nexus 6 , um homem solitário que se distrai fazendo "brinquedos" - destaque para a versão I Guerra Mundial de Pinóquio e ursinho Teddy - que abriga Pris após uma noite fria. Este será usado como ferramenta de acesso a Tyrell por Roy e logo destruído junto com seu amigo. O tão esperado embate entre homem e máquina termina com um "desastroso" empate, Rick ouve de seu inimigo o lamento de alguém que não viveria por muito tempo, tendo suas belíssimas visões dissolvidas como lágrimas na chuva. Como disse antes, há muitas referências a olhos, um passatempo, para quem já viu esse filme , seria enumerá-los. Eu perdi a conta fácil!

Avaliação: *****

PS: o Director's Cut não possui a narração em off de Deckard, recurso usado no original para "facilitar" o público sobre a trama complexa.